Gap Year Day 215

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O Liquidificador do Fim do Mundo

A anatomia de um liquidificador sempre me intrigou. Eu derramei uns cubos de gelo pensando no quanto eles queimaram durante segundos nas minhas mãos quentes. Ardia ser frio. Não havia muito mais o que colocar, foram tantos dias. Eis que caem estes cubos em um container com lâminas reluzentes. Ruim de limpar. Liga a tomada, eletricidade instantânea. Modernidade. A civilização gira e tritura pedaços de gelo na velocidade da luz. Então o barulho. O som viajando rápido por um micro-universo de meio metro, entre meu rosto e o copo do liquidificador. Que liquidifica. O gelo torna-se pedaços, que se tornam grãos, que se tornam areia molhada, água, passado. Areias do tempo.

Passando por aquele curto cilindro plastificado, eu ouvia os sons do vácuo: aqueles pedaços flutuavam numa velocidade de queda-livre tão abrupta que voavam. Voavam infinitamente num espaço finito de rotação do liquidificador.

Eu desliguei o aparelho pensando ouvir o telefone tocar. Ele tocou de novo. Voltei a colocá-lo na tomada.

Uma onomatopeia desengonçada e espinhosa preencheu toda cozinha. Ficou lá, virou um ruído, depois virou um ruído branco, depois virou parte da rotina. Era desagradável pensar que um dia aquilo fora um incômodo. Era uma constante que dava nó na garganta e nostalgia de um tempo que não foi. Que era, que será. Um tempo presente que está passando. Para o passado, para frente? Não saberia dizer.

Vivemos num passado presente na ansiedade do futuro.

Fiquei com medo de acabar a energia da minha casa. Muito gasto com a luz, depois cortam, e como fica? Sem luz, sem civilização, volto com velas, volto para as cavernas. Sombras de Platão. Vida real?

Não cortaram a luz porque desliguei novamente o liquidificador.

Aquela água um pouco turva e com cheiro forte parou de girar e pareceu indigesta. Não descia redondo.

E de repente, um susto. O sangue foge do rosto e do cérebro, gelo correndo pelas veias, coração batucando um ritmo de samba. O giro do liquidificador cerebral me faz cair para trás. Esqueci o telefone.

Volto a ligar o liquidificador.

Tranquilidade artificial. Arte abstrata funciona assim?

Você finge que entende alguma coisa e se sente confortável em encarar para o vazio existencial daquela arte. Você se sente bem não entendendo e procurando não entender mais nada, só olhar para uma coisa e pensar o quanto aquela coisa não faz sentindo algum.

Dadaísmo elétrico.

O liquidificador precisava de mais cores. Mais tinta para fazer sua arte.

Joguei um par de morangos, mais uns líquidos vermelhos. A cor começou a intensificar.

Então tocou o interfone. Eu aumentei a potência do liquidificador.

Liguei o rádio.

“Tudo que se gera na economia é um passo importante…” Falava de crescer. Ensaios de promessa. Falaram algo sobre domingo de reis, mas faltava tanto tempo para isso. Ou não faltava? Que dia é hoje?

A rádio começou a falar sobre outros assuntos que doíam mais o ouvido do que a campainha. Desligo o rádio? A pilha acabou. Girar na economia. Gerar. Gestor. Gestar. Gerar. Geradores!

Luz!

Alguém ascendeu à luz no corredor. Fui conferir no olho mágico. Só tive tempo de olhar para o feixe irradiante que provinha da porta. Era, de fato, a civilização chegando. Eu desliguei o liquidificador e apaguei todas as luzes.

Mas, da porta, ninguém bateu. Houve um momento de silêncio, um suspiro e um barulho metálico como uma lâmina. Risco no chão. Eu girei pela sala mais rápido que o vácuo. Flutuando por ali, todos meus receios em abrir a porta. Toda perturbadora inquietação que resultaria em enxergar o que estava do outro lado.

Depois de um tempo, houve silêncio completo.

Mais perturbação. Surdez. Dor no ouvido.

Levantei e me senti como correndo numa longa maratona com sacos de pedra nas pernas. Me arrastei até a porta, entreabri. Uma aliança no chão. A luz apagou.

Retornei para a cozinha disposto a jogar as duas alianças no liquidificador. E que pegasse fogo e que a civilização deixasse de existir, que voltássemos todos às cavernas e ficássemos reféns das chamas e das sombras que elas provocam. Dos paralelos obtusos e confusos que elas refletem. Que se dane a eletricidade! E a luz, e o conhecimento.

Trevas.

Aquele barulho, o conforto branco. A sensatez? Acomodação.

Vesti a outra aliança antes de ligar no máximo, um último vestígio de eficiência e virilidade da civilização. E coloquei os anéis no liquidificador.

Antes do vermelho voar para todos os lados, vi flutuando pelo teto os morangos num lindo caleidoscópio. Então tudo queimou. Trevas.

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